Como evidente espécime do gênero homo
sapiens (agora, também demens2 - conforme nos
revelou Edgar Morin3),
desnecessário fazer qualquer esforço para provar que sou capaz de apreciar a
beleza de um gramado verdinho, diante de casa. É quase idílica, a grama reluzente descansando ao sol matinal. No entanto...
Por estas semanas, um dos canais fechados tem transmitido a
impressionante série "O Planeta em Perigo"4. Nela, com dados
científicos mais do que satisfatórios, imagens buscadas in loco, depoimentos demorados de cidadãos e ativistas locais,
entrevistas com autoridades governamentais e científicas (e astros de Hollywood
à frente da coisa toda - Don Cheadle, Matt Damon, Michael C. Hal, Harrison Ford
etc.), é muito, muito difícil não chegar à mesma conclusão que o próprio nome
da série nos aponta.
O planeta em perigo...
Num dos episódios que vi, mais recentemente, ficou demonstrado que o
Iêmen deve ser o primeiro país do mundo a ficar completamente sem água potável,
nos próximos poucos anos e que, ipso
facto, já começam os conflitos sociais e disputas armadas pelo domínio de
certos territórios e suas nascentes aquíferas. Lembremos que o Iêmen é também
um dos lares da Al Qaeda.
Para não ir tão longe, recordo que há alguns anos vi num dos jornais
locais televisionados em Fortaleza, a seguinte afirmação e sua prova: há trinta
anos, tínhamos cerca de vinte nascentes (que a matéria chamou de "olhos
d'água") considerada apenas a Serra de Maranguape. Hoje, não passam de
cinco, por lá - as outras simplesmente morreram.
Diante desse quadro, eu realmente não consigo seguir o impulso estético
de quem dedica boa parte de sua água para manter seu gramado verdinho, sob a
luz natural da manhã... Para minha sorte, meus irmãos condôminos parecem me
entender (bem ou mal) e meu caro síndico ainda não me enviou nenhuma notificação
para que eu seja mais fiel ao hábito da aguação do pequeno gramado que fica
diante de nossa casa.
Enquanto não vierem uma ou outra dessas coisas ut supra, sigo olhando para meu gramado ressecado, amarelado,
pardacento e ficando mais em paz, com minha consciência pequeno-burguesa (me
parece que eu o seja, mesmo sem querer): faço minha parte, em não desperdiçar.
E embora eu pense nem ser preciso inventar drama, finalizo dizendo que
me vêm à mente as imagens dos meninos africanos, morrendo de sede, do lado de
fora do condomínio, vendo a gente derramar rios de água potável, sobre a
relva...
Que Deus nos perdoe. 1
Post scriptum: sonda da
NASA acaba de descobrir evidência de água em estado líquido, em Marte. O que -
para a nossa consciência - significa que podemos continuar desperdiçando à
vontade. Vamos aguar a grama, então, até que fique azul.5
[1] Terça-feira, 8 de
setembro de 2015.
[2] Como
bem explicado por Alessandra Bortoni Ninis e Marco Aurélio Bilibio (Cf. http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-71822012000100006&script=sci_arttext.):
"Morin
(1991, 2000) afirma que o animal da família dos hominidaes, do gênero homem e da espécie sapiens, é um ser subjetivo, cujas relações com o mundo objetivo
são sempre incertas. É sujeito ao erro e produz desordem. É um ser que carrega
em si um lado de loucura, ilusão, confusão, o qual representa seu lado demens. Morin afirma que a expressão homo sapiens,
que representa o homem racional, deve ser aplicada com restrições, porque o homo é também demens. Entre sapiens e demens
não existe fronteira. Os sentimentos e as emoções são necessários à
racionalidade e ao conhecimento. Somos possuídos pelas ideias e pela cultura na
qual estamos integrados e inseridos, fenômeno a que chama de Noosfera, e agimos
automaticamente na forma de um semissonambulismo quando não nos apercebemos da
ação das ideias sobre nós (Morin, 2000)."
[3] Cf. https://pt.wikipedia.org/wiki/Edgar_Morin
e também " Os sete saberes necessários à educação do futuro", em http://www2.ufpa.br/ensinofts/artigo3/setesaberes.pdf.
[4] Cf. http://www.foxplaybrasil.com.br/show/12404-o-planeta-em-perigo.
[5] "É um avanço
significativo, que confirma que a água, embora salgada, está fluindo hoje sobre
a superfície de Marte" (John Grunsfeld). Cf. "Nasa apresenta provas
da existência de água líquida e corrente em Marte", do UOL, em São Paulo,
28/09/2015..
Comentários
Postar um comentário