Atribui-se a Leonardo da
Vinci a seguinte afirmação: "Um dia, o homem conhecerá o íntimo dos
animais. Neste dia, um crime contra um animal será um crime contra a
humanidade". Caso seja verdadeira, é mais uma prova da genialidade desta
personalidade singular...
O mundo
"civilizado" está de luto, nos últimos dias, em razão da morte do
leão "Cecil"[1],
um leão, que era - e agora será sempre - um símbolo de todo um país, o
Zimbábue.
Se os animais escrevessem
o "Diário da Selva", a notícia seria dada mais ou menos assim:
"O mundo civilizado está
de luto! Um de nossos reis, singular em nossa espécie, foi assassinado por três
animais vindos das selvas urbanas, todos da espécie homo sapiens-demens[2]
(espécie identificada pelo também animal e pesquisador Edgar Morin[3]).
Cecil, era um pai de
família exemplar, líder de seu clã, bom esposo; deixa cinco filhos. Apesar de
ser monitorado - via GPS - 24 horas por dia, Cecil caiu numa armadilha
arquitetada por três animais, da espécie supra referida, que amarraram uma
carcaça de animal a um veículo automotor e, deste modo, atraíram nosso rei para
fora dos limites geográficos em que ele estaria protegido pela lei contra a
caça (editada pelos seres a quem toleramos, em nossos limites, em prol de nossa
sobrevivência). Conforme seu sadio instinto, Cecil seguiu o veículo e deixou os
limites em que estava seguro.
De início, um dos homo sapiens-demens
o atingiu com um tiro de arco e flecha[4],
mas tal criatura se mostrou um energúmeno na manipulação do item de caça e um
verdadeiro asno, razão porque o disparo não foi fatal... Destarte, os demais
dementes entraram no veículo supra referido e perseguiram Cecil, acabando por o
encurralar, matar com disparo de arma de fogo, ao que se seguiram sua decapitação[5]
e a retirada de sua magnífica pele. É o que acontece quando o ser superior cai
nas mãos de animais - pergunte ao animal Ernest Hemingway... Pergunte ao animal
filósofo T. Hobbes, que lhe dirá que o homem não é mais apenas o lobo do homem:
o homem é o lobo do mundo inteiro!
Felizmente, na comunidade
dos demais outrora primatas em evolução (ora em involução, ao que parece), uma
parte menos ensandecida reconheceu que este assassinato foi uma completa sandice
(para dizer-se o mínimo), razão porque os animais que mataram Cecil devem ser
todos julgados e condenados conforme as leis de sua barbárie; ao que nos
informaram os diários da selva urbana, dois dos estúpidos homo sapiens-demens já estão presos e o indivíduo restante (o que
pagou U$50.000,00 para ter o direito de assassinar o leão) está escondido
sabe-se lá onde, entre a vergonha e o medo.
Agora, mesmo os dementes
especialistas em vida na selva real sabem que os demais leões vão matar os
filhos de Cecil, para promover a própria prole. Sua esposa passará a ser de
outro, que vai usá-la como bem entender."
Agora, amigos(as), a sério: a morte deste leão traz tantas lições para nós... A uma, mostra que a maior parte da humanidade não tolera mais certos absurdos e loucuras que cometemos, movidos pela vaidade, orgulho e egoísmo que insistem em nos fazer buscar holocaustos ao nosso Deus-EGO. De onde concluímos: ainda há esperança para nós, como espécie.
De outro lado, mostra
como grande parte de nós ainda está abaixo do nível de civilidade profunda que
caracterizará - esperamos - a humanidade do futuro (vamos ver se nosso planeta
ainda nos dará alguns séculos de chances!).
Por outro ângulo, os
críticos (sempre eles...) dirão que houve mais comoção pela morte de um leão do
que pela fome na África ou pelos assassinatos coletivos perpetrados pelo Estado
Islâmico. Será verdadeiro e válido, o argumento, sob certos ângulos, mas
somente se aplicarmos fórmulas matemáticas a questões de indignação, revolta,
senso de justiça e visão sobre ética e moral, no mundo - o que, evidentemente,
não é possível. Se, por um lado, é fato que já não nos dão tanta indignação
assim as cotidianas manchetes sobre atiradores que cometem massacres e grupos
terroristas que cometem atentados, por outro é notório que tal estado de ânimo
(da indiferença quanto a estes casos brutais e da total vinculação emocional à
morte de um leão) nos mostra que entendemos bem uma premissa estranha, mas
verdadeira: os animais e o meio-ambiente não têm culpa de nossa loucura e
indignidade, nem podem defender a si mesmos (esperemos que não?! Do contrário,
teremos a materialização dos roteiros de "2012" e "Fim dos
Tempos", para citar só dois).
A coisa brutal em
maltratar animais é esta: não só não podem defender-se de nossa astúcia cruenta
e de nossa tecnologia, como o certo é que deveriam ter em nós os primeiros e
definitivos protetores, sua esperança, sua chance de continuar existindo...
Muito ao contrário, estamos
dando realidade à assertiva do "Agente Smith", no primeiro filme da
trilogia "Matrix"[6]:
"Eu gostaria de lhe contar uma revelação que
eu tive durante o meu tempo aqui. Ela me ocorreu quando eu tentei classificar
sua espécie e me dei conta de que vocês não são mamíferos. Todos os mamíferos
do planeta instintivamente entram em equilíbrio com o meio ambiente. Mas os
humanos não. Vocês vão para uma área e se multiplicam e se multiplicam, até que
todos os recursos naturais sejam consumidos. A única forma de sobreviverem é
indo para uma outra área. Há um outro organismo neste planeta que segue o mesmo
padrão. Você sabe qual é? Um vírus. Os seres humanos são uma doença. Um câncer
neste planeta. Vocês são uma praga. E nós somos a cura."
É ótimo que tenha havido
tanta tristeza, tamanha indignação pela morte de Cecil; mostra que uma parte de
nós ainda entende o conceito de certo e errado, de moral e imoral, de ético e
não ético. Mostra que, pelo menos quando se trata dos animais, não caímos ainda
no estado de espírito que fez a turma de Herbert Viana escrever "Mas nada perturba o meu sono pesado, nada
levanta aquele corpo jogado, nada atrapalha aquele bar ali na esquina, aquela
fila de cinema. Nada mais me deixa chocado. Nada!"
Descanse em paz, Cecil.
[2] "Para Morin, a razão e a
loucura, a organização e a desorganização, o pensar e o fazer, são diferentes
características dos seres humanos em permanente luta uma contra a outra, mas
são também complementares e se auto-alimentam. Uma precisa da outra para
existir. A razão pode gerar a loucura, como no caso do nazismo ou do
stalinismo. Os delírios, sonhos, loucuras, podem provocar um fervilhar
anárquico de idéias, e são capazes de produzir obras de arte e inovações. A
razão é a faculdade de colocar em ordem os pensamentos, de sistematizar os
conhecimentos, e busca dar sentido às idéias e os fatos, a teoria e
experiências. Claro que tudo isto é fundamental e necessário. Mas a razão
clássica, cartesiana, que privilegia a ordem, a lógica, a sistematização,
precisa dar lugar a uma outra forma de pensamento, mais complexa, que seja
aberta também ao irracional, ao incompreensível, ao improvável. {§} Esta
racionalidade que se fecha ao subjetivo nos levou às tragédias contemporâneas:
hiperespecialização, separação entre as diversas disciplinas (reparem no nome!)
na escola, sufocamento da vida pela burocracia, ao isolamento e solidão dos
indivíduos... Precisamos entender que o homem é sapiens e demens, capaz de
bondade e crueldade, produzir artefatos e sonhos, agir de forma racional e
lúdica... {§} Precisamos aprender a combinar conhecimento objetivo e
conhecimento subjetivo e devemos deixar de ter medo da subjetividade."
Confira "O Globo" de 25.5.2010, em http://goo.gl/fL08T4.
[3]
Confira https://pt.wikipedia.org/wiki/Edgar_Morin
[4]
Por coincidência, a mesma coisa que, na "mitologia moderna" dos
cinemas, fez Logan/Wolverine perseguir os três caçadores que atiraram em um
urso, com uma flecha envenenada; os sujeitos erraram o tiro e deixaram o animal
para trás, morrendo das dores do veneno. Confira o início de "Wolverine -
Imortal".
[5]
A decapitação é algo tão brutal, que é a arma de intimidação do Estado Islâmico
terrorista... Na ficção, foi a forma como os Frey, a mando dos Lannister,
mataram Rob Stark e seu lobo, costurando a cabeça de um no corpo do outro!... Quem
vai dar um viva a George Martin, o rei das brutalidades e das realidades da
guerra? Eu não...
[6]
Confira https://pt.wikipedia.org/wiki/Matrix
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