O início de "Dark Side of the Moon" é a estupenda "Shine On You Crazy Daimond" e seus intermináveis quase
vinte minutos. Quase todo fan de Pink
Floyd[3]
sabe, mas talvez você não: a canção é dedicada ao músico Syd Barrett, primeiro
e principal front man do grupo e que,
segundo os mais abalizados críticos, deu o tom do que a banda se tornaria, anos
depois, mesmo após a chegada de David Gilmour.
"Shine..." é dura e doce, fulgurante
e melancólica, simples e profunda, inocente e perigosa... É magnífica - como
Syd, aos olhos de seus amigos e de quem o conheceu com mais proximidade. Dele,
todos os quatro falam com saudade e amor, nos minutos iniciais de "The
Story of Wish You Were Here"[4],
ótimo documentário que conta os maiores "segredos" da feitura do
disco que, após o monumental "Dark Side Of The Moon" (aquele que, em
1973 lançaria o Floyd ao completo e avassalador "estrelato", e
mudaria a história do rock - não só o "progressivo"[5]-
para sempre), foi a resposta da banda para a questão que nos aponta David Gilmour,
na dita produção: depois dele [de
"Dark Side..."] tivemos de
entender se éramos artistas ou homens de negócio"...
Mas me foco, aqui, em Syd[6];
nele e na amizade - talvez a mais pura forma de amor[7].
Dele (e da canção) falam os quatro - como dito acima - no filme, nos seguintes
termos:
"De alguma forma, estas notas evocaram em Roger uma canção sobre
Syd e seu desaparecimento, sua ausência - se preferir. (. . .)
Penso que a canção é brilhante no seu modo de evocar aquilo que Roger
obviamente sentia por Syd, e que coincide com o que sinto. (. . .)
Syd era um cara fantástico. Muito, muito espirituoso; muito, muito esperto.
(. .
.) Ninguém podia imaginar que acabaria da forma como ele acabou" (D.
Gilmour).
"É minha homenagem a Syd, e a expressão profunda de minha tristeza.
E também minha admiração por seu talento, e minha tristeza pela perda do amigo.
(. .
.) Não há nada de generalidades, nesta canção. Não é sobre 'velhos
diamantes loucos', é sobre Syd" (R. Waters).
"Eu acho que a coisa mais importante foi não tentar apagá-lo de
nossa história" (N. Mason).
"Sabe, era extrovertido, fascinante, maravilhoso, amigo... E mais.
Era um homem fantástico" (R. Wright).
A vida, de alguma forma, por mistérios que (no
nível da consciência desperta) não sabemos quais são, faz conosco e fez com
eles: uniu os quatro caras (que se tornaram cinco, com Gilmour) e os fez
construir algumas das canções que embalaram mudanças de vida, viagens
psicodélicas, sonhos de maturidade e realizações pessoais em milhões de
criaturas humanas (procure alguém - no Ocidente, sobretudo - que nunca tenha
ouvido "Another Brick In The Wall" ou "Wish You Were
Here"...).
Todos nós vamos passar pela vida tocados pela
dádiva da amizade, em maior ou menor grau e riqueza (até os criminosos têm os
seus mais achegados, seus "parças" - diriam alguns).
E você? Como foi que a vida lhe trouxe seus
amigos?... Como os perdeu? Sente falta deles?...
Tem muita coisa que traz amigos, para nós, ao
longo da vida, não é? O trabalho, os hobbies...
Fontes óbvias para "esses seres" que nos alimentam a alma, com sua
própria visão de mundo, seus sonhos, suas realizações, seus medos, suas
virtudes, suas perdas, suas vitórias... Neste texto, recordo alguns amigos e as
circunstâncias que nos aproximaram, pelo caminho da música.
Nesta madrugada de "farra"
("farra de escritor" é passar a noite escrevendo! Digo isto ainda que
eu ainda não me veja como um, feito/completo/acabado - se é que algum dia algum
de nós estará completo!), ouvindo Pink
Floyd, me ocorreu agradecer aos
amigos que me enriqueceram com música, quando eu não sabia lá muitas coisas de
nada (será que hoje sei?...).
O primeiro deles[8],
me recebeu incontáveis vezes em sua residência, me brindando com bons papos
sobre a vida, a morte e as loucuras que passam pela cabeça de adolescentes
"em fim de carreira" (quando vão chegando os dezenove anos! - uma vez
nos pegamos pensando se existíamos realmente, ou se éramos um sonho que Deus
sonhava... Não, não usávamos maconha... Estávamos no teto do edifício em que "Murphy"
morava e olhávamos o céu de fim de tarde). Na companhia deste nobre colega,
descobri Pink Floyd, de fato, ainda que tenha ficado "apenas" na
antessala, "somente" em The
Wall e Pulse...
O que me leva aos próximos amigos[9]:
"DM" e "Cálidor", que me fizeram passar do hall e
chegar à cozinha, conhecendo até o menos falado The Final Cut, último disco (que eu saiba) de Roger Waters, junto
aos demais integrantes (que só voltariam a se reunir décadas depois, para
apresentações pontuais; a primeira delas para o "Live 8" - fenômeno mundial,
com viés humanitário, que reuniu grandes artistas em apresentações ao vivo).
Talvez, agora, você esteja achando que exagero
na importância da coisa toda, de Pink Floyd etc. Talvez sim, você esteja certo.
Mas para mim, naquela idade, as letras de Barrett, Waters, Mason, Wright e
Gilmour me mostraram o que era, de fato, que me estava angustiando na vida, no
cotidiano monótono, nas pessoas, no mundo. Com eles e com os amigos que mos
apresentaram, fiz minhas primeiras reflexões conscientes sobre a importância do
tempo[10],
das coisas, das pessoas[11].
Sobre o amor de mãe[12],
a figura paterna, a guerra[13],
o egoísmo e a solidariedade, a maneira como governos[14]
e megaempresas nos manipulam e exploram[15]...
Ali foi que começou minha aventura pessoal de entender o mundo, de fato, por
mais que, ainda na adolescência, eu já gostasse de ler sobre filosofia e
história...
Com "DM" e "Cálidor",
conheci também as profundidades de Enya,
Kitaro, Yanni, Vangelis (você
conhece, se assistiu "Blade Runner", de Ridley Scott[16]
- pois é: a trilha sonora estupenda é de
Vangelis, que também fez a do belíssimo "1492 - The Conquest of
Paradise"[17])...
Só a elite da então chamada New Age.
O que me leva a outro amigo... Muitos anos
depois, numa fila de restaurante, estava à minha frente um sujeito
"troncudo", branco, de cabelos curtos e barba por fazer, mochila nas
costas, fones de ouvido cuidadosamente colocados em seus orifícios naturais.
Como não sou muito de ficar com cara de paisagem, quando tem gente por perto,
decidi puxar assunto. Lembro que, do nada, olhei para o camarada (que já estava
com o prato nas mãos, selecionando o que comeria) e sapequei-lhe duas
perguntas: Linkin Park ou System of a Down? Ele olhou para mim,
surpreso, mas não demorou a responder: System of a Down!... Eu insisti: Sepultura
ou Metallica? E ele, ainda com cara de "quem é este sujeito
filho da mãe atrapalhando o meu almoço?!", respondeu, já sem muito entusiasmo:
Sepultura, Sepultura... Ou foi
o contrário (Metallica e Linkin Park, ao invés dos
outros)... Que eu me lembre, foi assim que começou minha amizade com "Mamute".
Preciso ainda fazer uma honrosa menção ao
amigo "Rosa" (aquele mesmo: se você estuda história, no Ceará, sabe
quem ele é - e sabe que gosta de combinar as cores das meias, com a da
camisa!). Foi em sua casa que, pela primeira vez, coloquei fones de ouvido e
curti música num volume bem alto. E o que rolava era "Engenheiros do
Havaí" (conclua a minha idade, por estas informações...).
E a vocês meus amigos(as), todos e todas (olha
o "politicamente correto" aí, gente!...), um abração afetuoso.
Cada um me ensinou e ensina alguma coisa, a cada dia. Deus vos ilumine.
E a você que me lê, pense aí, comigo: como foi
que a vida lhe trouxe seus amigos? Lembremos de agradecer...
[1] Artigo de agosto de
2015; atualizado em 1 de outubro de 2015.
[3] "O Pink Floyd surgiu
de uma banda de rock formada em 1964 que teve vários nomes - Sigma 6, The
Meggadeaths, Tea Set e The Abdabs, The Screaming Abdabs, The Architectural
Abdabs. Quando a banda se separou, alguns membros---os guitarristas Rado "Bob"
Klose e Roger Waters, o baterista Nick Mason e o instrumentista de sopro, Rick
Wright---formaram uma nova banda, chamada "Tea Set". Depois de um
pequeno período com o vocalista Chris Dennis, o guitarrista e vocalista Syd
Barrett se juntou a banda, com Waters mudando para o baixo. {§} Quando os Tea
Set descobriram que outra banda tinha esse mesmo nome, Barrett deu a ideia de
um nome alternativo, The Pink Floyd Sound, em homenagem aos músicos de blues
Pink Anderson e Floyd Council. Por um tempo a banda oscilou entre os dois
nomes, até se decidirem pelo segundo. O "Sound" foi deixado de lado
rapidamente, mas o "The" continuou sendo usado regularmente até 1968.
Os primeiros lançamentos no Reino Unido da banda, durante a era do Syd Barrett,
vinham creditados como The Pink Floyd, assim como em seus dois primeiros
singles nos Estados Unidos. Sabe-se que David Gilmour tenha se referido ao
grupo como The Pink Floyd até 1984. {§} Klose - que era bastante influenciado
pelo jazz, saiu depois de ter gravado somente uma demo, deixando uma formação
diferente com Barrett na guitarra e vocais principais, Waters no baixo e vocais
de apoio, Mason na bateria e percussão, e Wright revezando nos teclados e
vocais de apoio. Barrett logo começou a escrever suas próprias composições,
influenciado pelo rock psicodélico norte-americano e britânico (também pelo
surf music), com extravagância e humor. O Pink Floyd se tornou favorito no
movimento underground, tocando em casas como UFO Club, the Marquee Club e The
Roundhouse." Cf. https://pt.wikipedia.org/wiki/Pink_Floyd.
[4] "The Story of Wish
You Were Here is a direct-to-video documentary about the making of Wish You
Were Here album by Pink Floyd. After being shown on a few television channels,
such as BBC Four, it was released on 26 June 2012, on DVD and Blu-ray. The film
gives an extensive insight of concept, recording the songs and designing the
album cover. It includes exclusive interviews with almost every key person, who
participated in producing the album. It is the second Pink Floyd documentary by
Eagle Rock, the previous being The Making of the Dark Side of the Moon (2003).
The band is represented by all three surviving members – David Gilmour, Nick
Mason and Roger Waters. Other participating people include: Joe Boyd, Venetta
Fields, Jill Furmanovsky, Roy Harper, Brian Humphries, Peter Jenner, Nick Kent,
Aubrey Powell, Ronnie Rondell Jr. (who depicted the "burning man" on
the original cover), Gerald Scarfe, and Storm Thorgerson. The film is about 59 minutes long, with 25 minutes of
additional interviews. These also include footage of Roger Waters and David
Gilmour performing some excerpts from the original songs, while Brian
Humphries, the album's sound engineer, plays back the original sound tapes from
Abbey Road Studios archives." Cf.
https://en.wikipedia.org/wiki/The_Story_of_Wish_You_Were_Here. Achei
em https://www.youtube.com/watch?v=qGd1eiLKY_8 (gratuito), pode ser comprado em
http://www.saraiva.com.br/the-history-of-wish-you-were-here-dvd-4090830.html,
por exemplo. Interviews with Roger Waters, David Gilmour, Nick Manson and Richard
Wright as they tell the story of the creative process of this album. Director e
roteirista: John Edginton (cf. http://www.imdb.com/title/tt2296909/).
[5] "Lançado em Agosto
de 1967, o primeiro álbum da banda, The Piper at the Gates of Dawn, é
atualmente considerado um ótimo exemplo da música psicodélica britânica, e foi
bem recebido pelos críticos da época. Atualmente, é visto como o melhor
primeiro álbum por muitos críticos. As faixas, predominantemente escritas por
Barrett, mostram letras poéticas e uma mistura eclética de música, desde a
faixa de vanguarda com livre-forma, "Interstellar Overdrive", até
canções "assobiavéis" como "The Scarecrow", inspirada nas
Fenlands, uma região rural ao norte de Cambridge (cidade de Barrett, Waters e
Gilmour). As letras eram inteiramente surreais, às vezes fazendo referência ao
folclore, como em "The Gnome". A canção refletia novas tecnologias de
eletrônicos, com o uso constante de espaçamento no estéreo, edição de fita,
efeitos de eco, e teclados. O álbum foi um hit no Reino Unido, onde alcançou a
6ª posição das paradas, mas não foi muito bem na América do Norte, alcançando a
posição número 31 nas paradas dos Estados Unidos. Durante esse período, a banda
excursionou com Jimi Hendrix, o que ajudou a aumentar sua popularidade. Um fato
notável sobre o disco é que ele foi gravado simultaneamente ao aclamado Sgt. Peppers Lonely Hearts Club Band dos
Beatles, no estúdio da Abbey Road, e os integrantes das bandas frequentemente
se encontravam no corredor e conversavam sobre influencias musicais. Ambos
álbuns são hoje citados como o início do rock progressivo." Cf.
https://pt.wikipedia.org/wiki/Pink_Floyd.
[6] "Enquanto a banda se
tornava mais popular, o stress da vida na estrada e o consumo relevante de
drogas de Syd Barrett deteriorou sua saúde mental. O comportamento de Barrett
foi se tornando cada vez mais imprevisível e estranho, fato atribuído ao
constante uso de LSD. Conta-se que às vezes ele ficava encarando algum ponto,
enquanto a banda tocava; durante algumas apresentações, ele somente tocaria um
acorde o concerto inteiro, ou aleatoriamente desafinava sua guitarra. {§}
Chegou um momento em que os outros membros da banda decidiram por simplesmente
não levar mais Syd para os shows. Chamaram então o guitarrista David Gilmour,
já conhecido de Barrett e Waters, e quem ensinou Syd a tocar guitarra, que se
juntou à banda para ajudar Barrett com suas tarefas, apesar de Jeff Beck ter
sido considerado. Inicialmente, esperava-se que Barrett fizesse composições
enquanto Gilmour tocaria nos shows. Mas composições como "Have You Got It
Yet", com progressões de acordes e melodias diferentes a cada take, fez
com que o resto da banda desistisse dessa ideia. O último show da banda com
Barrett foi em 20 de janeiro de 1968, em Hastings Pier, mas a saída de Barrett
só foi formalizada em abril de 1968. Os produtores Jenner e King, decidiram
continuar com Syd, o que pos fim à sociedade Blackhill Enterprises e fez a banda
escolher Steve O'Rourke como empresário, que permaneceu com eles até sua morte
em 2003. (. . .) Depois de gravar dois álbuns solo (The
Madcap Laughs e Barrett) em 1970 (co-produzido por, e às vezes com
participações de Gilmour, Waters e Wright) com sucesso razoável, Barrett então
foi para reclusão, ideia muitas vezes rebatida por sua família, que disse não
ter sido exatamente assim. Novamente chamado pelo nome oficial, Roger Keith
"Syd" Barrett, viveu uma vida pacata em sua cidade natal, Cambridge,
até sua morte em 7 de Julho de 2006." Cf.
https://pt.wikipedia.org/wiki/Pink_Floyd.
[7] Nos Evangelhos, quando
Jesus quis mostrar em que conta tinha seus seguidores mais próximos, lhes
disse: "já não vos chamo discípulos, mas amigos".
[10] Time...
[11] Hey, you...
[12] Mother...
[13] Goodbye Blue Sky...
[14] Us And Then, Pigs...
[15] The Wall, In The Flesh, Confortable Numb, Welcome to the Machine...
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