''Hold
On'': a ''Jornada do Herói'', em cinco minutos.[1]
Se você assistir com atenção (ainda sabemos o que é isto, hoje em dia?
Na chamada - autoproclamada? - "Era da informação"?...), se você
parar para ver... De preferência, se você ficar sozinho e puser fones de
ouvido, você chora. É bastante provável, é quase certo.
Hold On[2],
o estupendo "curta-metragem"[3]
em prol da organização "Médicos Sem Fronteiras" é das coisas breves mais
emocionantes que se pode ver, passando por aí, em algum canal. Já vi talvez uma
centena de vezes e sempre me emociona. Ainda não chorei, mas já marejei os
olhos. E, como diria Orson Welles[4],
é tudo verdade. A mais pura, a mais dura, a mais crua verdade...
Para quem escreve, sejam contos longos, sejam romances, roteiros
(principalmente para estes, hoje em dia) etc., e segue a linha mais genérica das
obras literárias, há alguns livros que são tidos como legítimos "guias"[5]
para a tarefa. Três ou quatro deles têm ganho destaque, nas últimas décadas, anos:
de Joseph Campbell, O Herói de Mil Faces
e O Poder do Mito; de Christopher
Vogler, A Jornada do Escritor; Robert
Mckee, Story.
No que eu arriscaria chamar "A Idade de Ouro", quase todo
escritor bem sucedido e que não fosse um gênio, se tinha formado a partir da
leitura dos grandes pares, que vieram e escalaram a montanha antes dele. Assim,
tínhamos a leitura obrigatória dos gênios "do passado", de
Shakespeare a Saramago, com as dezenas de ícones entre eles (o conhecido destaque
para os impressionantes Tolstoi, Dostoievsky, Victor Hugo... Se eu for citar
todos os que deveriam ser citados, este artigo não acaba).
Na pressa e na correria de nossos dias de sanidade fronteiriça, onde até
o amor ficou fluido, líquido (foi o Zygmunt Bauman[6], eu acho, quem falou
disto, antes de todo mundo), a pressa se nos tornou uma harpia[7]
indissociável da alma, acicatando o impulso criativo e tirando a serenidade
necessária para os anos de leitura, antes de realmente se começar a escrever.
Numa das novas liberdades e ousadias que talvez Ortega Y Gasset[8]
tivesse condenado, as massas nos lançamos a criar, seja o que for, com a
qualidade - ou sem ela!... - que cada qual conseguir, em todos os setores da
arte. Por um lado é magnífico; é quase como se nos estivéssemos tornando uma
sociedade de meio-elfos: aprendendo as magias da arte, aprendendo
a ficar feliz tão somente por ter conseguido criar algo belo; é como se
estivéssemos na escola da Estética, no melhor dos sentidos. Por outro lado,
criamos coisas doentias, absurdas e vazias, como Centopeia Humana...
O ponto principal deste pequeno artigo, é afirmar que se você ler os
quatro livros acima citados e, depois disto, for rever Hold On/MSF, vai notar
que os principais aspectos da "jornada do herói" estão por lá... Em
suma, a vida comum é apresentada; depois as dores, os primeiros desafios, com
grande parte dos candidatos se negando a transpor o primeiro limiar e se dar à
provação subsequente; depois, esta mesma (estas, no plural! E fortíssimas: a
morte, guerra, a fome, a doença. Os quatro Cavaleiros do Apocalipse bíblico!...).
Mais à frente, a aceitação das provas, das dores; a seguir a vitória, a
conquista do elixir e, mais além, um retorno para a terra natal, onde sua
experiência e a sabedoria adquiridas vão insuflar em seus iguais (e nos
desiguais[9])
o desejo de também partir na jornada (isto se você não tiver morrido de fato,
numa das últimas fases desta viagem e da jornada).
Não sei se preciso dizer muito mais. Leia os russos, os franceses, os
luso-brasileiros; leia Campbell, Mckee, Vogler. Mas veja Hold On e, mais do que
tudo, torne-se um, com os heróis anônimos dos Médicos Sem Fronteiras.
Muita paz.
[4]
"Em
1942, Orson Welles veio ao Brasil fazer um filme sobre a cultura local, porém o
projeto não foi terminado. Este documentário mostra porque o filme não foi
concluído, relatando os problemas que apareceram e mostrando cenas que chegaram
a ser gravadas. O governo americano queria a produção para melhorar o
relacionamento com a América do Sul, mas nem o estúdio RKO e nem o governo
brasileiro gostaram do primeiro material feito. O documentário ainda
reconstrói, a partir do material bruto encontrado, uma parte de Four Men on a
Raft, no qual Welles conta a história de quatro jangadeiros cearenses que
navegam até o Rio de Janeiro para pedir ao governo ajuda para sua gente." Cf.
http://www.cineclick.com.br/e-tudo-verdade
[5]
Lembremos que a palavra é, em si mesma, neutra... Nem todo guia é bom e nem
sempre é um bom sinal, precisar de um guia.
[6] "O sociólogo polonês denuncia a perda de
referências políticas, culturais e morais da civilização e diz que só os
jovens, com sua indignação, poderão resistir à banalização". Cf. http://epoca.globo.com/ideias/noticia/2014/02/bzygmunt-baumanb-vivemos-o-fim-do-futuro.html,
por exemplo.
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